sexta-feira, 19 abril 2024

Mancha de poluição no rio Tietê cresce 43% em um ano

O relatório foi divulgado nesta quinta-feira (22), o Dia do Tietê. 

(Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

A mancha de poluição no rio Tietê cresceu cerca de 43% em um ano e agora atinge 122 km do corpo d’água no estado de São Paulo. Houve também uma diminuição das águas boas no rio, segundo a análise feita pela Fundação SOS Mata Atlântica como parte do projeto Observando os Rios.

O estudo, feito anualmente desde 1993, aponta presença de trechos com péssima qualidade de água tanto no Tietê quanto no Pinheiros, seu afluente -isso apesar do investimento de bilhões de reais do governo estadual para despoluição.

O relatório foi divulgado nesta quinta-feira (22), o Dia do Tietê.

A situação é surpreendente, segundo Gustavo Veronesi, coordenador do Observando os Rios, exatamente devido a essas ações recentes de saneamento, especialmente no rio Pinheiros. Apesar de a situação no grande rio paulista ter piorado, a da bacia como um todo permanece relativamente estável.

Voluntários do projeto coletaram amostras de água de setembro de 2021 a agosto de 2022 em 55 pontos do Tietê e de outros rios que compõem a sua bacia, incluindo o Pinheiros.

Além disso, a SOS Mata Atlântica se baseou em 16 indicadores para compor o índice de qualidade da água, incluindo dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). O projeto monitora 576 km do rio, que, ao todo tem cerca de 1.100 km.

A mancha de poluição pode ser traduzida como a extensão do rio sem oxigênio dissolvido na água. Nessas condições, a água, em linhas gerais, não pode ser usada por humanos -mas pode ser utilizada para navegação, por exemplo.

Segundo o índice usado pela fundação, 117 km do rio estão com qualidade de água ruim e 5 km, com qualidade péssima -documentada na região do reservatório de Edgard Souza, em Santana do Parnaíba (na Grande São Paulo).

Na análise anterior, nenhum quilômetro de Tietê tinha qualidade péssima e 85 km eram de águas ruins.

Para piorar, os 124 km de águas boas foram reduzidos para somente 60 km (diminuição de cerca de 51%). Assim como nos últimos dois anos, nenhum trecho atingiu qualidade ótima.

Enquanto na região metropolitana de São Paulo a qualidade da água do Tietê ficou estável, a situação piorou no interior, segundo a análise.
“Agora estão aparecendo problemas no rio Tietê que antes eram escamoteados com esse argumento de que a região metropolitana joga esgoto no rio. Agora estão aparecendo com maior clareza os danos que são causados no interior”, diz Veronesi.

A situação climática pode explicar, em parte, a piora no interior. Nesse período, o estado passou por um período com chuvas abaixo do volume esperado, segundo Veronesi, o que levou à diminuição da vazão do rio e, consequentemente, uma maior concentração de material orgânico.

Aliado a isso, a piora da qualidade no interior também pode ser explicada por uso de fertilizantes e agrotóxicos no meio agrícola, que, eventualmente, acabam nos corpos d’água. Quando chegam aos rios, esses produtos servem de nutriente para proliferação de plantas que acabam por consumir o oxigênio na água, o que, em última instância, prejudica a qualidade da água.

Por fim, o relatório da SOS Mata Atlântica também aponta para a expansão da urbanização (que, logicamente, é um processo contínuo de décadas) no interior do estado, o que reforça a necessidade de melhorias no saneamento em outras áreas para além da região metropolitana.

Mesmo com os resultados, há soluções no horizonte, afirma o coordenador do Observando os Rios. Um exemplo é o lago do parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo, alimentado pelo córrego do Sapateiro, parte da bacia do Pinheiros.

A qualidade da água do lago, que era regular até a última análise, agora é boa -inclusive, em 2021, peixes filmados no rio Pinheiros possivelmente saíram do córrego do Sapateiro. Trata-se do resultado de esforços na melhoria do saneamento.

Outro ponto que teve melhora dentro da cidade de São Paulo foi o riacho Água Podre, no bairro do Butantã, um nome autoexplicativo para a situação das águas locais -que de ruins foram para regulares, uma categoria na qual, após tratamentos avançados, o líquido pode até ser destinada para abastecimento humano.

Ou seja, um caso como o do rio Pinheiros pode ser revertido. “Se existisse essa classificação, o rio Pinheiros estaria em ‘muito péssimo’, ‘além do péssimo’. Agora ele está chegando no péssimo. Não é de uma hora para outra que vai melhorar”, afirma o especialista. “Mas tem melhorado. O aspecto não está tão tenebroso como era tempos atrás, o mal-estar de estar na beira do rio já não acontece tanto.”

Procurada pela reportagem, a Cetesb afirma que o estudo da SOS Mata Atlântica é feito de modo colaborativo e que as medições no rio Pinheiros “não refletem os dados sistemáticos monitorados pela Cetesb”.

“Já sobre a mancha do rio Tietê, o relatório da SOS Mata Atlântica de 2019 comparado com o de 2022 demonstra um recuo de 25% na mancha de poluição”, diz, em nota a Cetesb. “Durante o período de pandemia, de acordo com o relatório da própria SOS Mata Atlântica 2021, a medição foi prejudicada em razão da diminuição dos pontos e da frequência das análises. Referências científicas mostram que não é possível comparar períodos atípicos, como os anos influenciados pela pandemia, que registraram mudanças no comportamento da sociedade.”

O governo estadual tem destacado as melhorias no rio Pinheiros, através do Programa Novo Pinheiro, após bilhões investidos e com a conexão de mais de 624 mil imóveis da bacia do rio Pinheiros à rede de esgoto.

Na Usina São Paulo (antiga Usina da Traição), que fica no curso do rio, há planos para a construção de um polo cultural e gastronômico, inspirado em Puerto Madero, em Buenos Aires, o que seria um novo cartão-postal para a capital. Apesar disso, sempre há o destaque para o fato de que nunca será possível, por exemplo, dar um mergulho no Pinheiros.

Nesta quinta-feira, o governo estadual anunciou, para 2023, o programa Renasce Tietê, com investimento de US$ 100 milhões, dos quais US$ 80 milhões provenientes do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O contrato ainda será assinado, diz o governo em nota. Parte das verbas será usada para saneamento e reflorestamento de matas ciliares, e outras fatias irão ainda para construção e reforma de núcleos de educação, cultura, lazer e esporte em Salesópolis.

Veronesi afirma que a ampliação do saneamento e a preocupação com a despoluição do Tietê e do Pinheiros precisam continuar no próximo governo, seja ele qual for.

“Eu reluto quando falam que o rio Tietê é o mais poluído do Brasil. Não é. Eu acho injusto um rio que tem mais de 1.100 km, com 10% deles com a qualidade comprometida, colocar a pecha de um rio poluído. Ele está poluído em 10%, por motivos que podem ser solucionados”, diz o coordenador do Observando os Rios. “Se a gente cuidar de cada riozinho da bacia, a gente consegue melhorar o riozão.” 

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