Organizadores de manifestações de 7 de setembro tiveram duas reuniões no Palácio do Planalto
Protestos de raiz golpista e de pautas autoritárias a favor do presidente Jair Bolsonaro estão marcados para o feriado de 7 de Setembro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na Avenida Paulista, em São Paulo. Bolsonaro promete comparecer e discursar nos dois atos.
Como o próprio Bolsonaro já disse, ele busca nesses protestos uma foto ao lado de milhares de apoiadores para ganhar fôlego em meio a uma crise institucional provocada por ele mesmo, além das crises sanitária, econômica e social no país.
Isolado, Bolsonaro perde apoio nas classes política e empresarial, além de aparecer distante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em diferentes pesquisas de opinião sobre a corrida eleitoral de 2022. Em simulações de segundo turno, ele perderia também para Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB), por exemplo.
Os protestos marcados para o Dia da Independência representam mais um passo na escalada da crise institucional alimentada por Bolsonaro e buscam dar uma demonstração de força do mandatário, em meio a sinais que apontam para o risco de tentativa de ruptura.
Nas últimas semanas, Bolsonaro provocou uma crise institucional no país ao repetir as ameaças de que as eleições de 2022 somente seriam realizadas caso fosse aprovada a implantação do voto impresso, proposta de emenda constitucional que acabou derrotada na Câmara.
A tensão aumentou quando Bolsonaro anunciou que entraria com pedidos de impeachment dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, esse último também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O pedido contra Moraes foi protocolado e em seguida arquivado no Senado. O de Barroso ainda não foi formalizado.
Bolsonaro, ao mesmo tempo, faz declarações sugerindo que há riscos de ruptura institucional e que pode atuar fora das quatro linhas da Constituição. “Temos um presidente que não deseja nem provoca rupturas, mas tudo tem um limite em nossa vida. Não podemos continuar convivendo com isso”, disse no último sábado (28) durante culto evangélico em Goiânia.
Reuniões de organizadores com o Planalto
Investigados por organizar manifestações antidemocráticas para o dia 7 de setembro, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tiveram duas reuniões no Palácio do Planalto na semana anterior à operação da Polícia Federal que mirou, entre outros nomes, o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ).
As audiências ocorreram na Secretaria Especial de Articulação Social, que funciona no quarto andar do Planalto e é subordinada à Secretaria de Governo, hoje comandada pela ministra Flávia Arruda (PL-DF). Ambos os encontros estão registrados na agenda oficial da secretária de Articulação Social, Gabriele Araújo, nos dias 10 e 11 de agosto.
Responsável pelo caso, a PGR (Procuradoria-Geral da República) apura se o governo participou do planejamento dos atos, que vinham sendo convocados por meio de ataques a autoridades e incitações ao fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso, além de ameaças de paralisação do país com uma greve de caminhoneiros.
A primeira dessas reuniões, no dia 10, aparece na agenda de Araújo com a pauta “Movimento Brasil Verde e Amarelo”. Trata-se de um grupo formado por sindicatos e associações rurais que convocou, no final de maio, uma manifestação em apoio a Bolsonaro em Brasília. Entre as bandeiras do ato estava a proposta do voto impresso, rejeitada pela Câmara em agosto.
Na ocasião, a secretária recebeu Antonio Galvan, presidente da Aprosoja Brasil (Associação Brasileira dos Produtores de Soja) e um dos investigados no Supremo. No último dia 23, após ser alvo de buscas e apreensões, Galvan foi depor à PF em Sinop (MT) acompanhado de um grupo de ruralistas, que chegaram ao local em um comboio de tratores.
Em nota, a Segov afirma que “é obrigação da Secretaria Especial de Articulação Social receber todas as organizações da sociedade civil que solicitam atendimento”. Questionada sobre qual foi o tema tratado na reunião, a secretaria respondeu que “foram discutidas pautas de interesse dos solicitantes”, mas não deu detalhes.
Galvan confirmou que o tema do encontro foi o Movimento Brasil Verde e Amarelo, mas não explicou qual seria a participação do governo no assunto. “Fui fazer uma visita de cortesia lá para ela [a secretária Gabriele Araújo]. Que a gente já conhecia, [a gente] falou que ia passar uma hora para bater um papo com ela”, afirmou.
A agenda registra que o encontro também teve as presenças da advogada Paula Boaventura, esposa de Galvan, e de Fabrício Rosa, diretor-executivo da Aprosoja. Rosa afirmou que não participou da conversa e que a entidade ruralista não tinha relação com a pauta.
“Embora tenha assinado a lista, fui apenas acompanhando o presidente, que cumpriu agenda pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo”, disse Rosa. Paula Boaventura, por sua vez, não foi localizada. O espaço está aberto para manifestação.
No dia seguinte ao encontro com Galvan, a secretária Gabriele Araújo recebeu outros três ativistas que seriam alvo da PF dias depois: Turíbio Torres, Juliano Martins e Marcos Antônio Pereira, conhecido como Zé Trovão. Os três, segundo a agenda, estavam acompanhados de Rafael Dal Bó, chefe de gabinete do deputado Nelson Barbudo (PSL-MT).
Os ativistas haviam chegado a Brasília dias antes e já vinham publicando fotos ao lado de ministros, deputados governistas e até de Renato Bolsonaro, irmão do presidente. Dois deles, Torres e Martins, tiraram fotos dentro do Planalto com o general Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Em nota, o GSI afirmou que “o ministro não os conhece e não houve reunião”.
Segundo apurou a reportagem, os ativistas foram questionados pela PF sobre o teor da reunião e negaram ter havido qualquer discussão sobre os atos de 7 de setembro. Segundo disseram aos investigadores, o encontro tratou de demandas de caminhoneiros, vinculadas à CNTA (Confederação Nacional de Transportadores Autônomos).
Procurada, no entanto, a CNTA informou não ter conhecimento da reunião. “Desconhecemos a agenda referida”, afirma a entidade. Sobre essa audiência, a Segov afirmou apenas que “foram discutidas pautas de interesse dos caminhoneiros”. O advogado Levi de Andrade, que defende os ativistas, diz que os clientes negam qualquer relação entre a reunião e os atos de 7 de setembro.