O consumo de cigarros no Brasil aumentou durante a pandemia de Covid-19. É o que diz o resultado da ConVid Pesquisa de Comportamentos da Fundação Oswaldo Cruz.
O estudo, realizado em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas com a finalidade de verificar o impacto da Covid-19 na vida das pessoas sob vários aspectos, aponta que 34,3% dos entrevistados que se declararam fumantes passaram a consumir mais cigarros por dia durante a pandemia –22,8% aumentaram em dez, 6,4% em até cinco e 5,1% em 20 ou mais cigarros.
A falta de perspectiva, as incertezas e o stress gerados pela pandemia fez com que o empresário Tárcio Neves, 39, morador em Guarulhos (Grande SP), fumante há 25 anos, ficasse mais dependente do vício. Ele contou que atualmente fuma cerca de dez cigarros a mais por dia.
“A pandemia fez com que eu trabalhasse em casa, onde agora fico 24 horas. Só saio para ir ao mercado e isso gera ansiedade. Estudei gastronomia e já tive restaurante. Estou cozinhando bastante e tentando usar minha criatividade para aliviar essa ansiedade”, conta Neves.
A pesquisa também mostrou que entre as mulheres o vício é maior –29,1% fumaram mais de dez cigarros ao dia, contra 17,3% dos homens.
Entre os indivíduos de menor grau de escolaridade (ensino fundamental completo ou menos), 24,6% aumentaram cerca de dez cigarros por dia e 9,6% mais de 20.
Dos que possuem superior completo, 22,6% aumentaram cerca de dez cigarros ao dia, 7,3% cinco cigarros ou menos e 2,8% 20 ou mais.
A pesquisa ouviu 44.062 brasileiros, de ambos os sexos, todos os níveis de escolaridade e todas das faixas etárias a partir de 18 anos, entre os dias 24 de abril e 8 de maio. Do total, 12% disseram ser fumantes.
O tabagismo traz consequências graves aos fumantes, que hoje também integram o grupo de risco para a Covid-19. Esta população é mais suscetível a desenvolver doenças cardíacas e pulmonares, que estão entre os principais fatores de risco associados a mortalidade pelo novo coronavírus.
Mais de 50 doenças crônicas são causadas pelo consumo do cigarro. As principais comorbidades colocadas como fator de risco para Covid-19 são decorrentes do tabagismo. Uma delas é diretamente ligada: a DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica). “A DPOC é um fator de risco para um pior desfecho de Covid-19. O mesmo vale para quem tem asma e fuma”, alerta o pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Dr. Elie Fiss.
Segundo boletim divulgado pela Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo neste sábado (30), dos 7.532 óbitos pela Covid-19, 5.871 (80,7%) apresentaram um ou mais fatores de risco associados à mortalidade. Destes, 3.886 (66,2%) sofriam de alguma doença do coração e/ou pulmão.
Para José Rodrigues, pneumologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, uma doença pulmonar crônica que não esteja controlada aumenta o risco de adquirir Covid-19 e evoluir para a forma grave.
“O vírus tem o ciclo dele no pulmão, mas há dois grandes problemas: falta de medicação que consiga bloquear a replicação do vírus e a consequência do vírus trazendo um processo inflamatório que pode ser devastador. Se o vírus infectar um pulmão já inflamado, por conta do cigarro ou de doença, a probabilidade do óbito é maior”, explica Rodrigues.
De acordo com Rodrigues, um estudo inglês apontou que fumantes têm risco aumentado para complicações pulmonares em 45% comparando com ex ou não fumantes. O índice sobe para 88% se houver doença pulmonar estabelecida relacionada ao tabaco. Neste caso, o risco de morte é alto.
“O paciente fumante tem o sistema de defesa da via aérea inferior prejudicado. Com as 4.500 substâncias tóxicas que a queima do tabaco acaba liberando na via aérea, a mucosa brônquica fica mais inflamada. Essa irritabilidade faz com que haja uma produção de muco e isso facilita a fixação dos agentes infecciosos respiratórios na superfície da via aérea. Um outro mecanismo que o cigarro acaba emitindo é a depuração dessa secreção. Existe uma produção maior de catarro. O processo inflamatório no pulmão dos fumantes favorece a fixação, proliferação e a invasão dos agentes infecciosos, no caso, a Covid-19”, ressalta Rodrigues.
No Brasil, a dependência de nicotina mata 428 pessoas por dia, R$ 56,9 bilhões são perdidos a cada ano devido a despesas médicas e perda de produtividade, e 156.216 mortes anuais poderiam ser evitadas.
O órgão estima que até o final de 2020, no Brasil, surgirão 17.760 novos casos de câncer de pulmão, traqueia e brônquio em homens e 12.440 em mulheres. Os dados são do Inca (Instituto Nacional do Câncer).
A potencialização do vício pode estar ligada a aspectos psicológicos. A ConVid também mostrou que 40% dos entrevistados sentiram-se tristes ou deprimidos durante a pandemia e 54% ansiosos ou nervosos com frequência. Entre os adultos de 18 a 29 anos, os percentuais alcançaram 54% e 70%, respectivamente.
Em relação ao sexo, os problemas no estado de ânimo foram mais frequentes nas mulheres –a tristeza e depressão foram relatadas em 50% delas contra 30% dos homens. A ansiedade e o nervosismo foram citados por 60% das mulheres. Nos homens, as queixas chegaram a 43%.
Para a psicoterapeuta Ana Beatriz Cintra, especialista no tratamento de depressão, ansiedade e síndrome do pânico, o cigarro é um mecanismo de fuga da ansiedade, atualmente causada pelos desdobramentos da pandemia e a expectativa criada pelas notícias que a cercam.
“Os fumantes relatam que o cigarro acalma e isso é puramente psicológico porque a química do cigarro acelera o metabolismo e deveria ser ao contrário. É mais pelo ritual de fumar, porque ele se desconcentra de tudo o que está acontecendo e se concentra no ato de fumar. É isso que gera a tranquilidade que relatam”, afirma Cintra.
Para baixar a ansiedade, ela indica a prática de atividade física e o aproveitamento do tempo para trabalhar na elaboração de um projeto pessoal para o futuro.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia criou recentemente uma plataforma virtual para quem quer parar de fumar ou reduzir o consumo de cigarro. É um chatbot disponível www.portal.cardio.br. Nele, é possível enviar dúvidas e receber orientações sobre o tratamento.
A ferramenta usa inteligência artificial e simula um ser humano na conversação. O fumante é motivado a parar com o vício e orientado sobre como usar da melhor maneira as reposições de nicotina em adesivo ou goma.
ConVid Pesquisa de Comportamentos Comportamentos Saudáveis – fumo
Você é fumante?Sim: 12%
Não: 88%
Distribuição (%) dos fumantes segundo variação da quantidade de cigarros antes e durante a pandemiaDiminuiu: 12,2%
Persistiu igual: 53,4%
Aumentou até mais de 20 cigarros: 34,3%
Distribuição (%) dos fumantes segundo variação da quantidade de cigarros antes e durante a pandemia (segundo sexo)Diminuiu: 11,9% masculino e 12,6% feminino
Persistiu igual: 57,1% masculino e 49,2% feminino
Aumentou até mais de 20 cigarros: 31,1% masculino e 38,1% feminino
Distribuição (%) dos fumantes segundo variação da quantidade de cigarros antes e durante a pandemia (segundo grau de escolaridade)
Diminuiu:
Ensino fundamental completo ou menos – 5,5%
Ensino médio completo – 13,4%
Superior completo ou mais – 13,3%
Persistiu igual:
Ensino fundamental completo ou menos – 49,4%
Ensino médio completo – 54,1%
Superior completo ou mais – 54,0%
Aumentou até mais de 20 cigarros:
Ensino fundamental completo ou menos – 45,1%
Ensino médio completo – 32,4%
Superior completo ou mais – 32,7%
Fonte: Fundação Oswaldo Cruz em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas
Tabagismo em números Brasil
Dependência a nicotina causa 428 mortes diariamente
R$ 56,9 bilhões
são perdidos a cada ano devido a despesas médicas e perda de produtividade
156.216 mortes anuais poderiam ser evitadas
Câncer de pulmão, traqueia e brônquio Brasil
Novos casos até o final de 2020
17.760 em homens
12.440 em mulheres
Fonte: Inca (Instituto Nacional do Câncer)